Foi
divulgado na semana passada o relatório de 2013 sobre “Equidade na Indústria
Extractiva”, onde se abordam as medidas a tomar para garantir que o boom do
petróleo, gás e mineração em África beneficie realmente o povo africano e não
um grupo ou elite. O referido relatório foi divulgado pelo Painel Para o Progresso de África –
que defende um
desenvolvimento equitativo e sustentável para África e de que fazem parte notáveis personalidades como o ex-secretário-geral
das Nações Unidas Kofi Annan, ex-presidente da Nigéria, general Olusegun Obasanjo e a ex primeira dama de Moçambique, Graça Machel.
O
relatório conclui que uma impressionante década de crescimento económico, não trouxe investimentos
comparáveis nos sectores da saúde, educação e alimentação em muitos países de África. Em vez de
contribuir para
o desenvolvimento dos países africanos, as
receitas provenientes da
exploração dos recursos naturais, tais como petróleo, gás e minerais, alargou desigualdades e o fosso entre
ricos e pobres.
África perdeu duas vezes
mais em fluxos
financeiros ilícitos, do que recebeu em ajuda internacional. Tendo
o painel afirmado que isso é devido a má
governação, evasão fiscal internacional, corrupção,
assim como transferências de dinheiro e acordos de negócios feitos em segredo. O relatório apela aos líderes africanos para adoptar a transparência
e responsabilidade na gestão das receitas dos recursos naturais.
Os governos dos oito países mais ricos do mundo ocidental – também conhecidos como Grupo
dos Oito (G-8) reunir-se-ão no próximo mês de Junho no Reino Unido. A agenda é liderada pelo Primeiro
Ministro do Reino Unido, David Cameron, e tem como objectivo aumentar a
transparência nas empresas
de propriedade anónimas. Uma das recomendações do relatório apresentado é exactamente que as empresas registadas em países do G8 devem
ser obrigadas a publicar uma lista completa de todas as suas subsidiárias, seus
accionistas, assim como informações sobre receitas globais, lucros e impostos
pagos nos diferentes países. As autoridades fiscais, incluindo as autoridades
fiscais na África, devem trocar informações de forma mais sistemática.
Isto
é uma particular preocupação em Angola, onde há
pouca transparência na prestação
de contas das
receitas do petróleo e onde a elite política corrupta, facilmente movimenta o
dinheiro ao
redor do mundo com impunidade,
negando a cidadãos pobres o direito a essas receitas e a oportunidade de sairem da linha de pobreza extrema.
O
relatório também conclui que Canadá, China e Austrália, países que
têm uma forte
presença comercial em África,
também deviam apoiar
padrões de divulgação de projecto por projecto por suas empresas no exterior, legislação que os Estados Unidos da América e a União Europeia
recentemente aprovaram. A legislação
norte-americana Dodd-Frank Act exige que as empresas de recursos naturais devem
divulgar todos
os pagamentos que
eles fazem aos governos onde operam. Ou seja, uma empresa
como a Chevron, por
exemplo, devia declarar publicamente todos os pagamentos que faz ao governo angolano por
cada um de seus projectos.
Em
um editorial publicado na semana passada no jornal dos EUA, The New York Times, o Sr. Annan explica o
motivo pelo qual os governos africanos devem colocar a transparência e a prestação de contas no centro das suas políticas públicas de recursos
naturais, como a comunidade internacional precisa
desenvolver uma
legislação rigorosa, vinculativa para a transparência e divulgação,
assim como se deve abordar a lavagem de
dinheiro nas empresas
de propriedade anónimas.
The New York Times
Pare
a pilhagem em África
Por Kofi Annan
Publicado em: 09 de Maio de 2013
Com as economias em África na crista da onda dos produtos
de consumo globais, existe uma grande oportunidade sem precedentes para
converter a vasta riqueza de recursos da região em investimentos que poderiam
tirar milhões de pessoas da pobreza, criar empregos e trazer esperança para as
gerações futuras.
Aproveitando essa oportunidade vai exigir fortalecimento
da governação apoiada pela cooperação internacional para deter o fluxodas
receitas associadas à evasão fiscal, acordos secretos e transferências
financeiras ilícitas.
As exportações de recursos naturais têm impulsionado
África na lista dos países com maior crescimento no mundo. Cerca de um terço das
economias da região cresceu mais de 6 por cento em 2012. A forte demanda nos
mercados emergentes irá contemplar outra década de altos preços para os
recursos naturais em África, uma vez que os investimentos estrangeiros estão em
ascensão. Moçambique e Tanzânia estão prontos a emergir como grandes
exportadores de gás natural. Guiné e Serra Leoa estão a colher lucros
inesperados provenientes das exportações de minério de ferro. A demanda pelo
cobre da Zâmbia e por cobalto da República Democrática do Congo está a crescer.
Infelizmente, a maré ascendente de riqueza não está a levantar todos os barcos. A pobreza vem
caindo muito lentamente, e em alguns países – incluindo Zâmbia e Nigéria – tem
aumentado. Poucos governos têm usado o aumento das receitas geradas pela
exportação de recursos para combater a crescente desigualdade, construir
melhores sistemas de educação e cuidados de saúde, ou fortalecer agricultura
familiar. Além disso, a corrupção continua endémica.
Os próprios governos africanos devem abordar estas
questões. Eles devem reconhecer a urgência de converter a riqueza de recursos
de seu país para o capital humano e investimentos em infra-estrutura sobre a
qual dependem o crescimento sustentado e inclusivo . E eles deveriam seguir o
exemplo de países como a Libéria e a Guiné, que estão a lutar contra a
corrupção, colocando todos os contratos de mineração no internet para o
escrutínio público.
Em outras áreas, a acção dos governos africanos por si só
não terá sucesso. Como destacamos no Relatório do Progresso em África este ano,
nenhuma outra região sofreu mais por evasão fiscal, planeamento tributário
agressivo e pilhagem da riqueza nacional através de empresas registadas
extraterritorialmente. Esses são problemas globais que exigem soluções
multilaterais.
A escala das perdas sofridas em África não é amplamente
reconhecida. Preços de transferência por exemplo, a prática de transferir
lucros para jurisdições fiscais com custos mais baixos, acarretam custos para o
continente em 34 mil milhões de dólares americanos por ano, uma valor superior
do que a região recebe em ajuda bilateral. Dito de outro modo, é possível
duplicar a ajuda cortando esta versão de fraude fiscal. O uso extenso
feito por investidores de companhias estrangeiras que estam registadas extraterritorialmente operam em jurisdições com
requisitos mínimos de prestação de contas, logo activamente facilita a fraude
fiscal. É quase impossível para as autoridades Africanas,
com escassez de pessoal e com poucos
recursos, monitorar as reais receitas através do
labirinto de empresas de fachada, empresas matriz e entidades extraterritoriais
utilizadas por estes investidores.
Tem havido alguns desenvolvimentos recentes que encorajam
um resposta multilateral a estes desafios. De acordo com a Lei Dodd-Frank nos
Estados Unidos e de acordo medidas comparáveis na Europa, as empresas
extractivistas agora são obrigadas a atender altos padrões de divulgação. Muitas
empresas, certamente num acto de desespero
estratégico, estão nadando contra a maré da reforma através da abertura
de um processo legal contra Dodd-Frank Act. Enquanto isso, o governo britânico
tomou a iniciativa em colocar a cooperação internacional em matéria de
fiscalidade no centro da agenda do reunião anual de cúpula do Grupo dos Oito no
próximo mês.
Esta é uma área em que o G-8 pode fazer uma diferença
total. A cúpula deverá servir
como uma rampa de lançamento para o desenvolvimento de um sistema global
baseado em regras sobre transparência e tributação.
É hora de levantar o véu de segredo pelo qual muitas
empresas operam. Cada jurisdição fiscal deve ser obrigada a divulgar
publicamente a completa estrutura da propriedade anónima das empresas registadas. A Suíça, Grã-Bretanha e os Estados Unidos são todos
os principais canais para finanças extraterritorial, e estes devem sinalizar a
intenção de reprimir os fluxos financeiros ilícitos. Tanto o G-8 e com o G-20
devem trabalhar juntos para ampliar o escopo e o alcance da legislação
Dodd-Frank.
Também é fundamental que o G-8 ajude a fortalecer os
governos africanos. As autoridades fiscais da região estão irremediavelmente
mal equipada para lidar com problemas como o preço de transferência, ou para
combater transferências ilícitas. É por isso que o Painel Para o Progresso de
África apelou ao G-8 para fornecer o apoio técnico, financeiro e administrativo
para a construção de capacidade.
Há mais de 50 anos atrás, em muitos estados africanos
surgiu a independência, o primeiro presidente do Gana, Kwame Nkrumah, ,
comentou: "Nunca antes um povo tinha ao seu alcance grande oportunidade
para o desenvolvimento para um
continente dotado de tanta riqueza."
Com liderança política em casa e uma cooperação internacional
reforçada, podemos aproveitar a oportunidade que Kwame Nkrumah identificou.
Kofi Annan,
ex-secretário-geral das Nações Unidas, é presidente do Africa Progress Panel
(Painel Para o Progresso da África).