quarta-feira, 22 de maio de 2013

Kofi Annan e o Painel para o Progresso de África Criticam o Flagelo dos Recursos Naturais em África


Foi divulgado na semana passada o relatório de 2013 sobre “Equidade na Indústria Extractiva”, onde se abordam as medidas a tomar para garantir que o boom do petróleo, gás e mineração em África beneficie realmente o povo africano e não um grupo ou elite. O referido relatório foi divulgado pelo Painel Para o Progresso de África – que defende um desenvolvimento equitativo e sustentável para África e de que fazem parte notáveis personalidades como o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan, ex-presidente da Nigéria, general Olusegun Obasanjo e a ex primeira dama de Moçambique, Graça Machel.
O relatório conclui que uma impressionante década de crescimento económico, não trouxe investimentos comparáveis nos sectores da saúde, educação e alimentação em muitos países de África. Em vez de contribuir para o desenvolvimento dos países africanos, as receitas provenientes da exploração dos recursos naturais, tais como petróleo, gás e minerais, alargou desigualdades e o fosso entre ricos e pobres.
África perdeu duas vezes mais em fluxos financeiros ilícitos, do que recebeu em ajuda internacional. Tendo o painel afirmado que isso é devido a má governação, evasão fiscal internacional, corrupção, assim como transferências de dinheiro e acordos de negócios feitos em segredo. O relatório apela aos líderes africanos para adoptar a transparência e responsabilidade na gestão das receitas dos recursos naturais.
Os governos dos oito países mais ricos do mundo ocidental – também conhecidos como  Grupo dos Oito (G-8) reunir-se-ão no próximo mês de Junho no Reino Unido. A agenda é  liderada pelo Primeiro Ministro do Reino Unido, David Cameron, e tem como objectivo aumentar a transparência nas empresas de propriedade anónimas. Uma das recomendações do relatório apresentado é exactamente que as empresas registadas em países do G8 devem ser obrigadas a publicar uma lista completa de todas as suas subsidiárias, seus accionistas, assim como informações sobre receitas globais, lucros e impostos pagos nos diferentes países. As autoridades fiscais, incluindo as autoridades fiscais na África, devem trocar informações de forma mais sistemática.
Isto é uma  particular preocupação em Angola, onde há pouca transparência na prestação de contas das receitas do petróleo e onde a elite política corrupta, facilmente movimenta o dinheiro ao redor do mundo com impunidade, negando a cidadãos pobres o direito a essas receitas e a oportunidade de sairem da linha de pobreza extrema.
O relatório também conclui que Canadá, China e Austrália, países que têm uma forte presença comercial em África, também deviam apoiar padrões de divulgação de projecto por projecto por suas empresas no exterior, legislação que os Estados Unidos da América e a União Europeia recentemente aprovaram. A legislação norte-americana Dodd-Frank Act exige que as empresas de recursos naturais devem divulgar todos os pagamentos que eles fazem aos governos onde operam. Ou seja, uma empresa como a Chevron, por exemplo, devia declarar publicamente todos os pagamentos que faz ao governo angolano por cada um de seus projectos.
Em um editorial publicado na semana passada no jornal dos EUA, The New York Times, o Sr. Annan explica o motivo pelo qual os governos africanos devem colocar a transparência e a prestação de contas no centro das suas políticas públicas de recursos naturais, como a comunidade internacional precisa desenvolver uma legislação rigorosa, vinculativa para a transparência e divulgação, assim como se deve abordar a lavagem de dinheiro nas empresas de propriedade anónimas.
The New York Times
Pare a pilhagem em  África
Por Kofi Annan
Publicado em: 09 de Maio de 2013

Com as economias em África na crista da onda dos produtos de consumo globais, existe uma grande oportunidade sem precedentes para converter a vasta riqueza de recursos da região em investimentos que poderiam tirar milhões de pessoas da pobreza, criar empregos e trazer esperança para as gerações futuras.
Aproveitando essa oportunidade vai exigir fortalecimento da governação apoiada pela cooperação internacional para deter o fluxodas receitas associadas à evasão fiscal, acordos secretos e transferências financeiras ilícitas.
As exportações de recursos naturais têm impulsionado África na lista dos países com maior  crescimento no mundo. Cerca de um terço das economias da região cresceu mais de 6 por cento em 2012. A forte demanda nos mercados emergentes irá contemplar outra década de altos preços para os recursos naturais em África, uma vez que os investimentos estrangeiros estão em ascensão. Moçambique e Tanzânia estão prontos a emergir como grandes exportadores de gás natural. Guiné e Serra Leoa estão a colher lucros inesperados provenientes das exportações de minério de ferro. A demanda pelo cobre da Zâmbia e por cobalto da República Democrática do Congo está a crescer.
Infelizmente, a maré ascendente de riqueza não está a levantar todos os barcos. A pobreza vem caindo muito lentamente, e em alguns países – incluindo Zâmbia e Nigéria – tem aumentado. Poucos governos têm usado o aumento das receitas geradas pela exportação de recursos para combater a crescente desigualdade, construir melhores sistemas de educação e cuidados de saúde, ou fortalecer agricultura familiar. Além disso, a corrupção continua endémica.
Os próprios governos africanos devem abordar estas questões. Eles devem reconhecer a urgência de converter a riqueza de recursos de seu país para o capital humano e investimentos em infra-estrutura sobre a qual dependem o crescimento sustentado e inclusivo . E eles deveriam seguir o exemplo de países como a Libéria e a Guiné, que estão a lutar contra a corrupção, colocando todos os contratos de mineração no internet para o escrutínio público.
Em outras áreas, a acção dos governos africanos por si só não terá sucesso. Como destacamos no Relatório do Progresso em África este ano, nenhuma outra região sofreu mais por evasão fiscal, planeamento tributário agressivo e pilhagem da riqueza nacional através de empresas registadas extraterritorialmente. Esses são problemas globais que exigem soluções multilaterais.
A escala das perdas sofridas em África não é amplamente reconhecida. Preços de transferência por exemplo, a prática de transferir lucros para jurisdições fiscais com custos mais baixos, acarretam custos para o continente em 34 mil milhões de dólares americanos por ano, uma valor superior do que a região recebe em ajuda bilateral. Dito de outro modo, é possível duplicar a ajuda cortando esta versão de fraude fiscal. O uso extenso feito por investidores de companhias estrangeiras que estam registadas extraterritorialmente operam em jurisdições com requisitos mínimos de prestação de contas, logo activamente facilita a fraude fiscal. É quase impossível para as autoridades Africanas, com escassez de pessoal e com poucos recursos, monitorar as reais receitas através do labirinto de empresas de fachada, empresas matriz e entidades extraterritoriais utilizadas por estes investidores.
Tem havido alguns desenvolvimentos recentes que encorajam um resposta multilateral a estes desafios. De acordo com a Lei Dodd-Frank nos Estados Unidos e de acordo medidas comparáveis na Europa, as empresas extractivistas agora são obrigadas a atender altos padrões de divulgação. Muitas empresas, certamente num acto de desespero  estratégico, estão nadando contra a maré da reforma através da abertura de um processo legal contra Dodd-Frank Act. Enquanto isso, o governo britânico tomou a iniciativa em colocar a cooperação internacional em matéria de fiscalidade no centro da agenda do reunião anual de cúpula do Grupo dos Oito no próximo mês.
Esta é uma área em que o G-8 pode fazer uma diferença total. A cúpula deverá servir como uma rampa de lançamento para o desenvolvimento de um sistema global baseado em regras sobre transparência e tributação.
É hora de levantar o véu de segredo pelo qual muitas empresas operam. Cada jurisdição fiscal deve ser obrigada a divulgar publicamente a completa estrutura da propriedade anónima das empresas registadas. A Suíça, Grã-Bretanha e os Estados Unidos são todos os principais canais para finanças extraterritorial, e estes devem sinalizar a intenção de reprimir os fluxos financeiros ilícitos. Tanto o G-8 e com o G-20 devem trabalhar juntos para ampliar o escopo e o alcance da legislação Dodd-Frank.
Também é fundamental que o G-8 ajude a fortalecer os governos africanos. As autoridades fiscais da região estão irremediavelmente mal equipada para lidar com problemas como o preço de transferência, ou para combater transferências ilícitas. É por isso que o Painel Para o Progresso de África apelou ao G-8 para fornecer o apoio técnico, financeiro e administrativo para a construção de capacidade.
Há mais de 50 anos atrás, em muitos estados africanos surgiu a independência, o primeiro presidente do Gana, Kwame Nkrumah, , comentou: "Nunca antes um povo tinha ao seu alcance grande oportunidade para o desenvolvimento para  um continente dotado de tanta riqueza."
Com liderança política em casa e uma cooperação internacional reforçada, podemos aproveitar a oportunidade que Kwame Nkrumah identificou.

Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, é presidente do Africa Progress Panel (Painel Para o Progresso da África).
 

Sem comentários:

Enviar um comentário